domingo, 23 de setembro de 2007

Crónica ao domingo

Van Gogh, Campo de Trigo com Corvos, Auvers-sur-Oise, 1890

Perdoem-me os meus leitores pela parca regularidade deste blog. A vida não tem deixado mais tempo para estar em frente a um computador a escrever, para além de, acreditem, ser saudável por vezes afastarmo-nos dos meios de comunicação como a Internet ou os telemóveis. Sabe bem agarrarmo-nos a um bom livro ou filme e com eles também viajarmos por mundos virtuais da nossa imaginação. Porém, faço aqui um pequeno balanço das situações que me chamaram a atenção nesta semana que passou. Porque um dos maiores prazeres que ainda tenho é ler jornais e manter-me informado.

1) Na próxima sexta-feira o PSD elege um novo líder. Desde cedo que tenho o feeling que Marques Mendes voltará a vencer a eleição de líder do partido, perdendo assim Menezes um grande sonho de protagonismo. No entanto, dos dois qual o menos mau? Mendes é um homem do aparelho. Desde que comecei a perceber algo de política que no PSD surgia sempre, ao lado do presidente do PSD ou no Parlamento, a figura caricaturável de Marques Mendes. Não sendo um grande líder, é no entanto alguém que chegou à actual liderança numa sucessão de acontecimentos que lhe foram favoráveis - desde a saída de Durão para abraçar um cargo de alto prestígio (sim, continuo a defender Durão pela sua escolha, não falando de "fuga", palavra tão apreciada pela extrema-esquerda) até ao governo anedótico de Santana, vários acontecimentos fizeram Mendes chegar ao poder no PSD. Mendes, pelo que me parece, não trouxe nada de novo ao partido. Admiro-lhe uma certa coragem por limpar o PSD dos famosos casos de corrupção que levaram ao surgimento dos candidatos bandidos. Porém, julgo que não tem condições para ser um primeiro-ministro à altura do país. Não ganhou um único debate parlamentar. Não demonstra ter uma ideia decente para Portugal. Mesmo na sua recente entrevista ao Expresso as suas ideias para o país são confrangedoras, e denunciam os temas de batalha que o PSD conheceu desde sempre, com muitas referências à liberalização pelo meio.

Menezes... Apesar de não o apreciar como grande político e achar que lhe falta o perfil de homem de Estado, a verdade é que lhe reconheço obra em Gaia. Vivo do outro lado do rio (que palavra ambígua...), e nos últimos anos vi a maior cidade do norte do país transferir os seus maiores valores para a margem esquerda do Douro. Menezes fez coisas boas por Gaia, sem dúvida. Transformou uma cidade periférica numa cidade que amedronta a Invicta. Teve coragem para seguir em frente quando muitas vezes a cautela aconselhava calma. Teve coragem para impôr as suas ideias ao eleitorado. Olhando como cidadão, admiro o que ele fez por Gaia e o modo como roubou protagonismo ao Porto, a minha cidade, apesar da grande justificação para este estado de coisas ser na outra margem, como rival, Menezes encontrar um presidente de câmara politicamente inepto. Se eu fosse militante do PSD (o que nunca serei) o meu voto iria para Menezes, o menos mau dos dois candidatos. O maior partido da oposição precisa de vida. De sangue novo. E com Mendes não vai lá, está visto.

2) Não tem sido muito boa a Presidência portuguesa da União Europeia. Desde o utópico tratado reformador não atar nem desatar (que apenas é um tratado para a história antes da inevitável constituição porque um dia a Europa há de ter a sua constituição formal) até às gaffes de Sócrates na América, Portugal não tem apresentado bom trabalho a nível europeu. A última má noticia parece ser o aparente falhanço da cimeira UE-África. Com Mugabe e sem Gordon Brown, a cimeira arrisca-se a discutir direitos humanos, arrisca-se a ser uma sucessão de palavras vãs de apoio aos líderes africanos. E, mais uma vez, arrisca-se a que não se discutam os verdadeiros problemas de África, continente que parece amaldiçoado. Falar-se-á da fome que afecta milhões de seres humanos de relance, e a discussão acabará num faraónico banquete. Discutir-se-á a SIDA em poucos minutos. No fim, mais uma vez, os políticos deixarão palavras vãs para a construção de África. E o continente negro continuará como uma ferida na crosta terrestre, desde que os primeiros colonizadores lá chegaram.

3) Confrangedora a recepção ao Dalai Lama em Portugal. O país presidente da UE mais uma vez mostrou que prefere navegar ao sabor dos interesses económicos do que receber o líder de uma causa nobre. Certamente Sócrates e Cavaco temiam que Ana Paula Vitorino, a secretária de estado dos transportes em visita à China naquela altura, fosse raptada se recebessem o Dalai Lama.
A verdade é que este caso vem demonstrar a falta de coragem dos políticos portugueses (excepção feita a alguns, como Jaime Gama). E vem provar que, apesar da UE diluir diferenças políticas, atitudes como a de Angela Merkel ou da Generalitat da Catalunha, que receberam o Dalai Lama com honras de Estado, marcam a diferença entre as grandes nações (permitam-me a ousadia de rotular a Catalunha como uma nação) e as pequenas. E assino por baixo o que afirmou Marcelo Rebelo de Sousa sobre a justificação de Luís Amado: ou somos (portugueses) muito estúpidos, ou ele disse uma coisa estúpida (as razões óbvias).

4) 30 anos depois. Os eléctricos estão de regresso à Baixa do Porto. Admirador confesso deste meio de transporte, não foi sem emoção que presenciei, nesta sexta-feira que passou, o regresso dos "amarelos" ao coração da cidade. O Porto merece ver correr nas suas artérias nobres os velhos eléctricos, amigos do ambiente e simpáticos para os passageiros. Apesar de não ser fruto da sua governação (o projecto do regresso dos eléctricos estava previsto desde a Porto 2001, na altura em que o PS mandava na câmara da Invicta) Rui Rio tem o mérito de ter pegado no simpático projecto dando-lhe rodas para andar. Concordo com ele, apesar de ter dito de forma demagógica, quando afirmou na inauguração que o regresso dos eléctricos à baixa "faz o Porto ser mais Porto". Foi o que eu senti ao ver passá-los na tarde de sexta. E também o sentiram os comerciantes e a população da cidade quando aplaudiu a sua passagem. Só mentes fechadas como as de Laura Rodrigues, presidente da Associação de Comerciantes do Porto, não entendem a tipicidade deste meio de transporte, a importância que poderá ter para trazer gente à baixa. Também das hostes do BE surgem críticas a Rui Rio por em 2001 ter negado o projecto e agora estar a apoiá-lo. Mas um político não pode mudar de opinião? Infelizmente, o BE perdeu uma oportunidade de ficar calado. Mas se este partido só falasse quando tivesse boas ideias, talvez só de longe em longe o ouvíssemos.

5) Adeus Mourinho. O Chelsea mandou embora o maior treinador da sua história. Como já hoje se notou (perdeu 2-0 contra o Manchester United), começa agora um período de declínio da equipa londrina. Porque Mourinho é único. É o special one. Quando se soube da sua saída, os adeptos de Portugal inteiro sonharam, por momentos, que o melhor treinador do mundo rumasse ao grande que habita nos seus corações. Eu próprio por momentos sonhei com o seu regresso. Mas logo caímos na real. Mourinho não vem para Portugal. Este país é demasiado pequeno para ele.

6) A Parceria A. M. Pereira editora é, na história do mercado livreiro português, uma das editoras que já melhor catálogo tiveram. Famosa ficou pela sua colecção camiliana em 80 volumes entre outras edições. Depois do 25 de Abril, a editora entrou em declínio e voltou a abrir à uns anos atrás. Na altura em que voltou ao mercado, lembro-me de pensar que seria uma boa ideia eles relançarem, em edição facsimilada, a Mensagem de Fernando Pessoa, porque foi nesta casa editora que o nosso maior poeta editou o seu único livro em português em 1934. No mesmo dia em que os eléctricos regressaram à baixa, tive uma bela surpresa na FNAC. No escaparate das novidades lá se encontrava a Mensagem. Edição facsimilada.

7) "Pare, escute e olhe". Desde que existem comboios que este aviso prolifera em tudo o que são locais de atravessamento da linha férrea. Nos últimos tempos, porém, várias notícias têm vindo a público em relação a atropelamentos mortais por comboios. Normalmente, depreende-se da notícia que a culpa é do atropelado... Lembro-me quando era mais novo ir várias vezes no verão a Espinho, cidade nascida nas margens da linha do norte, principal eixo ferroviário em Portugal. E recordo-me, ainda hoje, que fechadas as cancelas para passar o comboio, as pessoas usavam e abusavam da sorte. Desde idosos apressados para a praia até jovens ousados. Só mesmo quando a passagem do comboio estava eminente é que ficavam quietos. Porque cumprir regras básicas de segurança não está nos hábitos do português, que julga que tudo acontece aos outros. Depois, admiram-se que a culpa seja das más localizações das passagens-de-nível, mesmo que esta esteja a meio de uma enorme recta. E as tragédias acontecem.

Um comentário:

João Fachana disse...

É bom ver-te de novo no blog! Foi uma crónica que valeu pelos dias de ausência! E o special one vai voltar, não te preocupes. Se calhar só daqui a uns anos, mas vai voltar!
Abraço!