sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Mystic River


Talvez as coisas tivessem sido diferentes se um dos outros dois rapazes tivesse entrado no carro em vez de Dave. Mas o certo é que aquele momento para sempre marcou os três amigos. “Todos nós entramos naquele carro”, dirá Sean a Jimmy quando as vinganças enganadas serão já impossíveis de reparar. Aquele momento destinou os três miúdos para o ofício da morte, ali naquela estranha cidade de Boston banhada pelas poluídas águas do Mystic.

Do trio era Dave o mais tímido. O seu olhar denunciava fragilidade e medo. Foi por isso, talvez, que se tornou ele o “escolhido” para sofrer, qual cordeiro levado ao sacrifício. Ganhou com isso ainda mais medo. Mas agora um medo raivoso, prestes a explodir. Fará mais tarde justiça com as próprias mãos.

Mas no dia em que o olhar de cordeiro dorido de Dave transbordou o ódio e em nome do passado magoado fez das fraquezas força, as margens do Mystic conheceram mais sangue e morte que, devoradora como as leoas grávidas, se precipitou numa escalada de violência que terá talvez o seu final no desejo reprimido de Sean matar Jimmy. Foi neste dia de morte que os três amigos, agora já adultos, voltaram a cruzar os seus destinos. Perceberam que algo tinham em comum – um passado que estava em cada um deles por resolver talvez desde aquele fatídico dia em que perpetuar os nomes no cimento se revelou uma tragédia.

Jimmy não queria que a filha mais velha amasse o filho de um inimigo misteriosamente desaparecido. Talvez porque as razões de que se travaram anteriormente fossem fortes demais para que o amor dos dois adolescentes se tornasse impossível, qual Romeu e Julieta dos tempos modernos. Quinhentos dólares serão, por isso, talvez o sinal de um sentimento de dever remoído marcado pela morte, essa bailarina à beira-rio portadora no seu ventre de ódios e civilizações.

Sean, o único dos três amigos que desconhecemos se alguma vez matou, é polícia e não sabe pedir desculpa à mulher que tanto ama. Seis meses se passaram em telefonemas mudos. Porque se calhar para ele o destino devia ser encarado como um dever, qual polícia a cumprir ordens com orgulho, é que os sentimentos eram postos à parte. Só quando se apercebe que demasiado sangue escorreu devido a orgulhos feridos e a ódio é que ganha coragem para se tornar humano e perceber que a entrada no carro foi o fim de muita coisa mas não do mundo. É naquele local que o mudou para sempre que saberá dizer as primeiras palavras certas em seis meses. Interrogamo-nos se Sean se teria tornado polícia se tivesse sido ele a entrar no carro. Se sentiria o desejo de fazer justiça por via legal, enquanto os seus companheiros de infância escolheram a via do ódio para resolverem o passado.

A verdade é que Sean era o vértice do grupo, o que unia os três amigos. Fazia a ponte entre o “transgressor de cimentos frescos” Jimmy com o assustado Dave. Mas tudo isso acabou no dia em que este último entrou no carro e o terror futuro se despoletou.

As águas do Mystic correm vermelhas de sangue a caminho do Atlântico. Será por cima dele que Sean sabe que terá que reencontrar Jimmy. Mas já não encontrará um rapazinho traquina. Antes um homem cheio de dor pela morte de uma filha, culpando-se por não conseguir chorar por ela. Sabemos no entanto que o seu estado de alma é sincero. O seu ferido grito de morte atinge os céus quando sabe as notícias que nenhum pai quer receber pois violam a ordem da natureza. “Ela olhou para mim como se fosse a última vez”, dirá a Sean. Frase que evoca os fantasmas do passado íntimo de Sean.

Jimmy, Sean e Dave estavam desde aquele fatídico dia marcados pela tragédia. Mas mais sangue derramado veio juntá-los de novo fisicamente. A violência os tinha desunido. Um novo sacrifício os uniu outra vez, no dia em que outros três amigos, também nascidos do Mystic, entraram num carro agora imaginário. Um perdeu o amor da sua vida já nunca mais lhe podendo pedir perdão se assim tivesse que ser. Outros dois tornaram-se assassinos mudos e talvez no futuro um deles venha a ser assassinado pelo outro. Porque ali, nas margens do Mystic, o tempo sempre retorna e o passado vem sempre ajustas contas.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Champions


Já são conhecidos os adversários dos três grandes na Champions League. O FC Porto volta a cruzar-se com Liverpool e Marselha, tendo como novidade os jogos com o Besiktas de Istambul. O Porto parte como favorito ao segundo lugar, apesar de eu acreditar que podemos fazer uma surpresa com os ingleses que já ganharam o troféu por 5 vezes, e são os vice-campeões em título. Para isso, basta que Jesualdo Ferreira tenha fé e consiga da equipa um bom resultado no primeiro jogo em casa.

Ao Benfica saíu a fava. Vai ter que medir forças com o campeão europeu, equipa praticamente imbatível. O Ac Milan é um eterno colosso do futebol mundial. Equipa que raramente tem dias difíceis, será sem dúvida a grande vencedora do grupo D. Celtic e Shakhtar completam o ramalhete. A dúvida que me coloco é se o Benfica de Camacho será suficientemente forte para estas duas equipas. A ver vamos.

Sporting teve de novo algum azar no sorteio, apesar de acreditar que podem fazer uma "gracinha" frente à Roma, discutindo de igual para igual o segundo lugar. O Manchester será, certamente, o grande vencedor do grupo. Ronaldo, Rooney, Nani e companhia constituem uma equipa fortíssima que dá prazer em ver jogar (apesar de estar a passar por uma fase um pouco complicada). A interrogação que tenho é em relação à forma do Dynamo Kiev. Maus resultados nas últimas campanhas europeias irão ser repetidos, ou o ex-colosso soviético tem condições para voltar em grande à ribalta europeia? Repito a frase final do parágrafo anterior: a ver vamos...

Amanhã realiza-se a Supertaça europeia. Uma das equipas entrará em campo com o fresco luto na alma. Antonio Puerta, o malogrado jogador sevilhano falecido na passada terça-feira, ensombra a festa. Mas apesar de tudo, que o jogo seja uma grande homenagem àquilo que Puerta amava: o futebol.

sábado, 25 de agosto de 2007

Para lá do fio do horizonte

Li agora no Público online: morreu Eduardo Prado Coelho, um dos mais brilhantes intelectuais portugueses. Com ele o vazio de comentadores e cronistas acentua-se, neste cada vez mais seco país. A sensação que me invade é a de vazio. Perdi um dos meus "professores". Durante anos, a sua crónica no Público - o "fio do horizonte" - era a primeira leitura da manhã (tinha o estranho hábito de ler os jornais de trás para a frente). Do futebol ao cinema, passando pelas últimas edições no mercado livreiro e pela política, Prado Coelho mostrava-se atento, de forma independente, séria e por vezes bem humorada (principalmente em relação ao futebol) ao que se passava à sua volta. Hoje isso acabou infelizmente.

Sai amanhã, no Público, a sua última crónica, escrita ontem a poucas horas do fim. Em jeito de homenagem, se eu fosse editor do jornal, amanhã colocaria essa crónica na primeira página. Seria justo.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Comboios do Douro

Algumas fotos dos comboios que percorrem ou já percorreram as linhas do Douro (cortesia da White Castle e da sua máquina fotográfica:-)

A 1455 a puxar um comboio interregional na estação da Régua.


Locomotiva de via estreita muito bem conservada que faz o comboio histórico da linha do Corgo.

Panorama do "museu de comboios fantasmas" na Régua. Um crime ter estas máquinas ao abandono.


Por esse Douro acima



Compreendo agora intensamente o primeiro parágrafo de Fanny Owen, belíssimo romance-guião de cinema de Agustina Bessa Luís:

O rio Douro não teve cantores. Teve-os o Mondego e o Tejo também. Mas, para além das cristas do Marão, em vez do alaúde e da guitarra havia o repique dos sinos ou o seu dobrar espaçado. Havia o tiro certeiro dos caçadores de perdiz, lá pelas bandas da Muxagata e do Cachão da Valeira. E o clarim das guerrilhas ouvia-se através da poeira de neve que cobria os barrancos de Sabroso. O rio Douro ficou banido da lírica portuguesa com a sua catadura feroz pouco própria para animar os gorjeios dos bernardins, que são sempre lamurientos e que à beira de água lavam os pés e os pecados. E, no entanto, trata-se de um rio majestoso como não há outro. Eu vi-o em Zamora e não o reconheci; diz-se que as margens eram carregadas de pinheiros e daí o seu nome dum que quer dizer madeira. Mas entra em Portugal à má cara. Enovela o caudal sobre penhascos, muge e ressopra como um touro com molhelha de couro preto a subir uma calçada. Não creio que os poetas o habitem; e, no entanto, Dante tê-lo-ia amado e preferido; como preferiu os estaleiros incandescentes de Veneza e os tumulos abertos das arenas de Arles, para descrever o inferno. Por cá, são brandas as liras; com o aguilhão da fome, às vezes saltam umas revoltas que vibram na Calíope alguma bordoada. Com o ferrão do amor, não se cometem senão delitos em forma de soneto ou de sextilhas. Epopeias são raras, as musas são mimosas e não ardentes.

Impossível cantar este magnífico vale encantado que eu tanto aprendi a amar. Aqui no seu fim, no seu abraço com o mar, quantas vezes o desejo de partir a montante me chama, num abafado sinal de partida nos velhos comboios. Numa comoção serena perante a majestosidade deste rio que sinto tanto meu. Sinto que se grande lírico me tornasse, jamais conseguiria descrever o extâse que me toma no seu contacto, seja nas verdes margens da zona Régua e do Pinhão, seja nas escarpas impossíveis de alcançar depois do Tua. Este vale é o nosso grande património natural. Trata-se de um rio majestoso, como não há outro...


Obrigado pela viagem amigos. Levar-vos-ei no meu coração e Foz Côa também.

O Leopardo

"Nós éramos os leopardos, os leões; esses que nos substituíram são os chacais, as hienas; e todos os leopardos, chacais e ovelhas continuarão a acreditar que são o sal da terra."

Magnífico filme de Luchino Visconti "retirado" da novela homónima de Tomaso di Lampedusa, O Leopardo mostra o fim de uma era na Sicília (e também no resto do mundo) e o começo de outra que, por mais profundas mudanças que traga, fará com que tudo continue como está. Contradição? Não obrigatoriamente. Fabrizio di Salina, o nobre príncipe (brilhante interpretação de Burt Lancaster) percebe que o mundo à sua volta, comandado pela nobreza, está a ruir com o devir revolucionário dos novos tempos, personificado nos burgueses sem nobreza mas que passaram a ser donos do capital. Mas a mudança nada traz de novo. A miséria continuará a imperar nas ruas e Palermo e de Donnafuggata. E os revolucionários acabam por de novo trazer ordem à sociedade. A diferença mesmo reside na imortal frase de don Fabrizio que encabeça este pequeno post.

Um filme eterno como quase todo o cinema de Visconti (confesso, não gosto de Ossessione...). E, apesar de cara a edição que existe editada em Portugal na Costa do Castelo, o milaculoso restauro do filme vale cada euro.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Crónica de viagens de comboio sonhadas e reais

Desde criança que o comboio é o meio de transporte que mais me fascina. A essa parte da minha vida – jardim poético do passado – estão intimamente ligadas as viagens de ida e volta ao Porto nas férias, quando vivia no interior do país. Estão ligados os passeios com o meu avô às estações das minhas duas cidades, onde passava a tarde a ver partir e chegar os comboios. E depois, também tive a sorte de encontrar um terceiro avô apaixonadíssimo por comboios (e tenho mesmo que recorrer ao superlativo) que me contava as viagens maravilhosas que fazia pelo país nesse seu terno meio de transporte. Foi com ele que pela primeira vez ouvi falar das linhas do Sabor, do Tua, do Corgo, do Vouga, entre tantas outras. Os seus relatos fascinavam-me e faziam-me viajar, também com ajuda das suas fotografias, por um país mágico. E sempre ansiei pelo dia em que me metesse a caminho para explorar as linhas desconhecidas. Poucas restam, estando amputadas na sua extensão e dignidade. Mas a vontade de conhecer o que restava era muita.


Há volta de um ano encontrava-me no Café Progresso, local de passagem habitual. Abri o antigo Público e li que a CP estava a ponderar, em breve, deixar de explorar as linhas de via estreita do Douro. Percebi que tinha chegado o momento de fazer a tão ansiada viagem. Não podia passar do Verão. Culpar-me-ia para sempre se tivesse deixado escapar esta oportunidade.

O Verão chegou. E com ele a tão ansiada viagem. Com um amigo parti pela linha do Douro acima, ainda o Sol se estava a mostrar timidamente no horizonte. Objectivo: linha do Tua. Apesar de tanto já saber por relatos e por fotografias dessa linha, a experiência vivida é melhor que mil imagens ou palavras. Após o transbordo, já na automotora verde que parte da estação do Tua rumo a Mirandela, espantei-me com a beleza natural da paisagem atravessada. Por meio de escarpas acidentadas e falésias o comboio seguia. Lá em baixo o rio Tua corria num ténue fio de água. Pouco verde havia nos montes. O castanho e o cinzento dominavam. E o comboio avançava naquela paisagem natural com sítios impossíveis ao homem de chegar. Por vezes parecia planar no precipício tão curta a berma onde os carris assentavam. Os túneis em curva de surpresa surgiam. E a cada saída destes, a paisagem parecia engrandecer. Ao cimo dos montes pequenas aldeias e casas isoladas se avistavam na outra margem. Por vezes também pequenas estações surgiam. Todas completamente ao abandono.

Era dia de feira em Mirandela. Por isso a automotora ia cheia. Numa estação a meio da linha, um senhor de idade entrou e sentou-se ao meu lado. Metemos conversa. É simples travar diálogo com os transmontanos. Basta ser-se simpático. António, assim se chamava o senhor, era de uma aldeia com apenas trinta habitantes. E, tal como me explicou, a sua aldeia e as outras que a linha do Tua serve, têm como único meio de transporte o comboio. Que anda sempre cheio. Disse-me ele. Não era só naquele dia em particular. Era também o meio de transporte para estudantes em Mirandela e para a maior parte das poucas pessoas empregadas naquela zona. "Se a linha fechar, estas aldeias aqui à volta morrem de vez", desabafou.”A minha só tem trinta habitantes agora. Quase todos velhos. Os jovens emigraram”, continuou. Percebi, nesse contacto, que me encontrava a viajar no coração de um país esquecido. Um país carregado de betão de auto-estrada, mas cujo distrito de Bragança que eu de comboio atravessava desta não tem um único quilómetro. Nestes meus pensamentos reparei que a paisagem começara a mudar. Os vales estavam a ficar mais aplanados. As margens do rio eram maiores. O calor sufocava ainda mais. Mirandela já se avistava no horizonte, terra no coração de Trás-os-Montes famosa pela sua gastronomia.

Ao sair da automotora tive logo um primeiro choque. Impressionou-me o estado degradado do bonito edifício da estação. Outrora sítio tão importante para a cidade, marginalizado agora pelo abandono dos comboios. Aqui é hoje o terminus da linha do Tua. Antes esta continuava até Bragança. Cidade do meu destino nesse dia…

continua

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Tom Sawyer

Acabei agora a leitura do Tom Sawyer, famosa obra para a juventude de Mark Twain. Tive que tardiamente cumprir este acto de meninice. Que bem que soube ser transportado, pela escrita de Twain, para um outro tempo e para as livres paisagens do Mississipi. Sentir-me também uma criança travessa que age seguindo a sua imaginação, sem se preocupar com o mundo dos adultos.

domingo, 5 de agosto de 2007

Crónica de um domingo ensonado


Edgar Degas - L'Absinthe - Musée d'Orsay, Paris


Está a ser pacífico este domingo dominado pelo sono. O café só me parece ter despertado para a boa exibição do Porto contra os chineses do Shanghai Shenhua, no torneio de Roterdão. Destaco a qualidade do passe da equipa dos dragões e, a nível individual, Tarik Sektioui. Pergunto-me onde no último ano andou escondido o marroquino. Foi o melhor em campo, com aguçados passes e excelente posicionamento. Excelente sentido táctico e técnico. Uma mais-valia para o plantel às ordens do professor Jesualdo.

Entretanto, Liverpool e Feyenoord já entraram em campo para o jogo final do torneio. Caso o Liverpool não vença, Porto conquista o troféu. Sempre bom começar a época a ganhar alguma coisa.

Olhando agora para a semana que passou, destaco o veto do Presidente da República ao novo estatuto dos jornalistas. Cavaco Silva compreendeu perfeitamente a falta de qualidade do diploma, além do perigo que podia advir, na sua aprovação, para o futuro do jornalismo em Portugal. É verdade que o jornalismo tem decrescido de qualidade entre nós. Não seria este estatuto a melhorar a situação. Pego num ponto essencial, questionado pelo Presidente - o dos "requisitos de capacidade para o exercício da profissão". Segundo o novo estatuto, podem ser jornalistas os cidadãos no pleno gozo dos seus direitos civis que detenham uma habilitação académica de nível superior (art. 2º). É duvidoso este artigo e até discriminatório. Muitas vezes, uma habilitação superior não quer dizer qualidade. Segundo, muitos jornalistas do passado não precisaram, para terem qualidade, de habilitações académicas de relevo. Recordo um exemplo - José Saramago. O escritor não precisou de ter curso superior para ser jornalista do Diário de Notícias durante vários anos, e nem sequer precisou dele para ganhar o Nobel. Ainda num passado recente, ser jornalista era uma nobre profissão em que o que se pedia aos seus aspirantes era curiosidade e humanismo. Curiosidade por saber o porquê das coisas, dos acontecimentos. Humanismo para tratar as coisas e acontecimentos da forma justa. As grandes escolas de jornalismo eram então as redacções em estado puro. Os locais onde por vezes os jornais se faziam por si, onde uma equipa variada todos os dias um pouco de história percebia e escrevia. Do chefe de redacção ao jornalista, passando pelo revisor e pelo impressor, todos os dias podiam ser uma aventura.

Hoje, a maior parte dos jornalistas profissionais têm qualificações académicas em cursos superiores de jornalismo. Para além disso, os jornais e revistas são controlados por grandes grupos empresariais ávidos de lucro. O que acontece quando estes dois ingredientes se juntam? Um baixar de qualidade no jornalismo actual. Os cursos de comunicação formatam os seus alunos para escreverem de uma maneira que não permite a criatividade. Sobrecarregados com trabalhos inúteis, mal têm tempo para compreender a realidade à sua volta, algo essencial para se ser jornalista profissional. E depois, ouvem em conferências os inteligentes que, parafraseando Martin Luther King, dizem que "têm um sonho, que um dia todos os jornalistas sejam licenciados em comunicação social" (Nelson Traquina). Não duvido que ao chegar esse dia, o jornalismo esteja bem morto (uma vez escrevi, e aqui torno a escrever, que não tenho espírito de coveiro...).

O exercício do jornalismo é algo que vem de dentro de cada um. É o gosto pela escrita. o gosto pela descoberta e o ser curioso que motivam o abraçar a profissão. E é por isso que, por vezes, jornais universitários sem pretensões fora das quatro paredes das faculdades acabam por ter uma boa qualidade. Caso, por exemplo, do Tribuna.

Outro destaque desta semana é a saída (há quem prefira o termo "expulsão") de Dalila Rodrigues da direcção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). Motivo: criticou demais. A verdade é que, quando a crítica é construtiva, quando apenas se pretende opinar sobre o melhor para a instituição onde se está a exercer funções, esta deve ser considerada. O caso de Dalila Rodrigues é mais um erro do actual governo, que depois do caso Charrua ou da demissão de Piemonte da ópera do São Carlos, devia ter o máximo cuidado nas suas atitudes para que a sua imagem não se descridibilize.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

PT no seu melhor

Indigna-se a PT da multa aplicada pela Autoridade da Concorrência! Bufa de seus brados empresa monopolista. Faz soar a sua revolta:

O presidente da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro, anunciou hoje que a empresa vai recorrer aos tribunais da multa de 38 milhões de euros aplicada pela Autoridade da Concorrência, devido à recusa da incumbente em permitir a utilização das condutas de telecomunicações aos concorrentes TvTel e Cabovisão.

Henrique Granadeiro considera que a coima da AC é "inexplicável e despropositada" e que "caberá aos tribunais fazer justiça" neste processo.

in Público

Como é hipócrita a PT! Estou a aturá-la desde sempre em minha casa porque não deixa aqui na minha rua que a TvTel chegue devido aos seus preciosos cabos e condutas. Querem ver que são de ouro? É preciso ter lata...


E Manoel de Oliveira?

O título deste post, depois da morte de Bergman e Antonioni, até poderia parecer cínico mas não é. Não estou à espera da partida de Oliveira. Ainda quero que ele nos dê muitos bons filmes (e não esquecer que no próximo ano é o seu centenário). Agora, quando leio no Público de ontem o título da notícia principal sobre a morte de Antonioni que é Os dois maiores cineastas vivos morreram no mesmo dia de Verão, sinto que a jornalista que escreve a notícia se precipitou. Entre nós ainda nos resta o único cineasta que veio do tempo do cinema mudo. Um realizador que, tal como os falecidos Bergman e Antonioni, criou novas formas de fazer cinema. Que em filmes como Amor de Perdição ou Francisca foi também mais além na arte das imagens em movimento.

Dizer que o cinema está morto e fazer-lhe o funeral sempre me pareceu precipitado. Concordo que uma certa maneira de fazer cinema desapareceu. Que já ninguém filma como Ozu, como Bergman, Visconti ou Buñuel. Porém, o cinema sempre sobreviveu às inovações, a eras que se acabaram. Quando o mudo acabou, e os "talkies" surgiram nos fins dos anos 20, géneros de filmes como o burlesco deixaram de fazer sentido. Nomes como Buster Keaton, Gloria Swanson ou Griffith (entre tantos outros) perderam-se face a um mundo novo, em que o seu savoir-faire com as câmaras deixara de ser reconhecido. Mas o surgimento do sonoro possibilitou que novas fronteiras do cinema fossem exploradas. E mesmo recentemente, o surgimento dos efeitos especiais em computador também trouxe ao cinema outras possilidades de vida.

A morte do cinema é tema corrente de melancólicos realizadores europeus como Wim Wenders ou Godard. Recordo-me de uma cena em Alice nas Cidades (1974) de Wenders em que no comboio o personagem principal lê no jornal que John Ford tinha morrido. Cena metafórica dirigida por alguém que viu aos poucos os grandes nomes do cinema a morrer. Mas se já não existe nenhum Ford para conceber obras-primas, também a verdade é que enquanto houver espectadores que amem os seus filmes (e eu sou um deles) o seu cinema continuará vivo.

Voltando ao princípio (desculpem-me ter-me perdido em divagações), considero que ainda existem grandes realizadores vivos e que talvez o agora maior de todos viva entre nós aqui neste país à beira-mar plantado, aqui na cidade do Porto. Infelizmente, até nos jornais o nosso "parolismo" é escancarado. Nunca acreditamos em nós, nunca sabemos valorizar-nos. Somos um país estranho. Uma espécie de país bipolar. Os outros são sempre melhores, diz-se nos autocarros, nos cafés, nos lares. Mas temos grandes criadores. Grandes forças em diversas áreas que se revelam além-fronteiras. Nas artes, no desporto, na política por exemplo. "Todos os políticos são maus", ouve-se. Mas o Presidente da Comissão Europeia é português e Jorge Sampaio e António Guterres têm cargos internacionais de relevo por indigitação. "O nosso futebol não presta". Mas criou o melhor jogador e o melhor treinador da Liga Inglesa. "Os outros é que sabem escrever". Mas Saramago ganhou um Nobel, e um livro de um português foi considerado o livro do ano na Feira de Frankfurt. Estranho realmente.

Hoje estive a ver um filme clássico, uma comédia de Lubitsch: Heaven can wait. É um filme em que o personagem principal, Henry van Cleef, vai parar ao inferno e conta a sua história ao diabo (o mais delicioso Mefistófeles do cinema). Quando este lhe pergunta como Henry se apercebeu que estava morto, ouve a seguinte resposta: "Quando à minha volta ouvi dizer bem de mim, percebi que tinha falecido". É assim em tudo. E em Portugal especialmente. Só com a morte se é valorizado... Assim será talvez com Manoel de Oliveira.