sexta-feira, 3 de agosto de 2007

E Manoel de Oliveira?

O título deste post, depois da morte de Bergman e Antonioni, até poderia parecer cínico mas não é. Não estou à espera da partida de Oliveira. Ainda quero que ele nos dê muitos bons filmes (e não esquecer que no próximo ano é o seu centenário). Agora, quando leio no Público de ontem o título da notícia principal sobre a morte de Antonioni que é Os dois maiores cineastas vivos morreram no mesmo dia de Verão, sinto que a jornalista que escreve a notícia se precipitou. Entre nós ainda nos resta o único cineasta que veio do tempo do cinema mudo. Um realizador que, tal como os falecidos Bergman e Antonioni, criou novas formas de fazer cinema. Que em filmes como Amor de Perdição ou Francisca foi também mais além na arte das imagens em movimento.

Dizer que o cinema está morto e fazer-lhe o funeral sempre me pareceu precipitado. Concordo que uma certa maneira de fazer cinema desapareceu. Que já ninguém filma como Ozu, como Bergman, Visconti ou Buñuel. Porém, o cinema sempre sobreviveu às inovações, a eras que se acabaram. Quando o mudo acabou, e os "talkies" surgiram nos fins dos anos 20, géneros de filmes como o burlesco deixaram de fazer sentido. Nomes como Buster Keaton, Gloria Swanson ou Griffith (entre tantos outros) perderam-se face a um mundo novo, em que o seu savoir-faire com as câmaras deixara de ser reconhecido. Mas o surgimento do sonoro possibilitou que novas fronteiras do cinema fossem exploradas. E mesmo recentemente, o surgimento dos efeitos especiais em computador também trouxe ao cinema outras possilidades de vida.

A morte do cinema é tema corrente de melancólicos realizadores europeus como Wim Wenders ou Godard. Recordo-me de uma cena em Alice nas Cidades (1974) de Wenders em que no comboio o personagem principal lê no jornal que John Ford tinha morrido. Cena metafórica dirigida por alguém que viu aos poucos os grandes nomes do cinema a morrer. Mas se já não existe nenhum Ford para conceber obras-primas, também a verdade é que enquanto houver espectadores que amem os seus filmes (e eu sou um deles) o seu cinema continuará vivo.

Voltando ao princípio (desculpem-me ter-me perdido em divagações), considero que ainda existem grandes realizadores vivos e que talvez o agora maior de todos viva entre nós aqui neste país à beira-mar plantado, aqui na cidade do Porto. Infelizmente, até nos jornais o nosso "parolismo" é escancarado. Nunca acreditamos em nós, nunca sabemos valorizar-nos. Somos um país estranho. Uma espécie de país bipolar. Os outros são sempre melhores, diz-se nos autocarros, nos cafés, nos lares. Mas temos grandes criadores. Grandes forças em diversas áreas que se revelam além-fronteiras. Nas artes, no desporto, na política por exemplo. "Todos os políticos são maus", ouve-se. Mas o Presidente da Comissão Europeia é português e Jorge Sampaio e António Guterres têm cargos internacionais de relevo por indigitação. "O nosso futebol não presta". Mas criou o melhor jogador e o melhor treinador da Liga Inglesa. "Os outros é que sabem escrever". Mas Saramago ganhou um Nobel, e um livro de um português foi considerado o livro do ano na Feira de Frankfurt. Estranho realmente.

Hoje estive a ver um filme clássico, uma comédia de Lubitsch: Heaven can wait. É um filme em que o personagem principal, Henry van Cleef, vai parar ao inferno e conta a sua história ao diabo (o mais delicioso Mefistófeles do cinema). Quando este lhe pergunta como Henry se apercebeu que estava morto, ouve a seguinte resposta: "Quando à minha volta ouvi dizer bem de mim, percebi que tinha falecido". É assim em tudo. E em Portugal especialmente. Só com a morte se é valorizado... Assim será talvez com Manoel de Oliveira.

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