domingo, 5 de agosto de 2007

Crónica de um domingo ensonado


Edgar Degas - L'Absinthe - Musée d'Orsay, Paris


Está a ser pacífico este domingo dominado pelo sono. O café só me parece ter despertado para a boa exibição do Porto contra os chineses do Shanghai Shenhua, no torneio de Roterdão. Destaco a qualidade do passe da equipa dos dragões e, a nível individual, Tarik Sektioui. Pergunto-me onde no último ano andou escondido o marroquino. Foi o melhor em campo, com aguçados passes e excelente posicionamento. Excelente sentido táctico e técnico. Uma mais-valia para o plantel às ordens do professor Jesualdo.

Entretanto, Liverpool e Feyenoord já entraram em campo para o jogo final do torneio. Caso o Liverpool não vença, Porto conquista o troféu. Sempre bom começar a época a ganhar alguma coisa.

Olhando agora para a semana que passou, destaco o veto do Presidente da República ao novo estatuto dos jornalistas. Cavaco Silva compreendeu perfeitamente a falta de qualidade do diploma, além do perigo que podia advir, na sua aprovação, para o futuro do jornalismo em Portugal. É verdade que o jornalismo tem decrescido de qualidade entre nós. Não seria este estatuto a melhorar a situação. Pego num ponto essencial, questionado pelo Presidente - o dos "requisitos de capacidade para o exercício da profissão". Segundo o novo estatuto, podem ser jornalistas os cidadãos no pleno gozo dos seus direitos civis que detenham uma habilitação académica de nível superior (art. 2º). É duvidoso este artigo e até discriminatório. Muitas vezes, uma habilitação superior não quer dizer qualidade. Segundo, muitos jornalistas do passado não precisaram, para terem qualidade, de habilitações académicas de relevo. Recordo um exemplo - José Saramago. O escritor não precisou de ter curso superior para ser jornalista do Diário de Notícias durante vários anos, e nem sequer precisou dele para ganhar o Nobel. Ainda num passado recente, ser jornalista era uma nobre profissão em que o que se pedia aos seus aspirantes era curiosidade e humanismo. Curiosidade por saber o porquê das coisas, dos acontecimentos. Humanismo para tratar as coisas e acontecimentos da forma justa. As grandes escolas de jornalismo eram então as redacções em estado puro. Os locais onde por vezes os jornais se faziam por si, onde uma equipa variada todos os dias um pouco de história percebia e escrevia. Do chefe de redacção ao jornalista, passando pelo revisor e pelo impressor, todos os dias podiam ser uma aventura.

Hoje, a maior parte dos jornalistas profissionais têm qualificações académicas em cursos superiores de jornalismo. Para além disso, os jornais e revistas são controlados por grandes grupos empresariais ávidos de lucro. O que acontece quando estes dois ingredientes se juntam? Um baixar de qualidade no jornalismo actual. Os cursos de comunicação formatam os seus alunos para escreverem de uma maneira que não permite a criatividade. Sobrecarregados com trabalhos inúteis, mal têm tempo para compreender a realidade à sua volta, algo essencial para se ser jornalista profissional. E depois, ouvem em conferências os inteligentes que, parafraseando Martin Luther King, dizem que "têm um sonho, que um dia todos os jornalistas sejam licenciados em comunicação social" (Nelson Traquina). Não duvido que ao chegar esse dia, o jornalismo esteja bem morto (uma vez escrevi, e aqui torno a escrever, que não tenho espírito de coveiro...).

O exercício do jornalismo é algo que vem de dentro de cada um. É o gosto pela escrita. o gosto pela descoberta e o ser curioso que motivam o abraçar a profissão. E é por isso que, por vezes, jornais universitários sem pretensões fora das quatro paredes das faculdades acabam por ter uma boa qualidade. Caso, por exemplo, do Tribuna.

Outro destaque desta semana é a saída (há quem prefira o termo "expulsão") de Dalila Rodrigues da direcção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). Motivo: criticou demais. A verdade é que, quando a crítica é construtiva, quando apenas se pretende opinar sobre o melhor para a instituição onde se está a exercer funções, esta deve ser considerada. O caso de Dalila Rodrigues é mais um erro do actual governo, que depois do caso Charrua ou da demissão de Piemonte da ópera do São Carlos, devia ter o máximo cuidado nas suas atitudes para que a sua imagem não se descridibilize.

Um comentário:

João Fachana disse...

João:
Apenas para frisar a parte do teu post sobre o veto ao novo EJ: Concordo inteiramente com o que disseste e, mesmo sendo um leigo que não possuí formação em comunicação social, sinto que o nosso jornalismo anda a perder cada vez mais qualidade e a ficar cada vez mais "igual", dominado pelo pensamento políticamente correcto imposto pelos órgãos decisores das empresas dos média e que limitam/abafam a criatividade e liberdade de expressão e de informação dos jornalistas e que este novo EJ ainda mais iria abafar essa mesma liberdade. É bem verdade que no Tribuna ainda se respira essa liberdade de informação e de comunicação "quase" no seu pleno, onde todos os seus departamentos têm total liberdade para a escolha do modo e maneira como investigar o seu tema, este também "quase" sempre escolhido pelo mesmo departamento. E bem me revejo também nesse bichinho de jornalista, embora amador, da procura da verdade, da descoberta, da escrita, enfim, de dar uma boa notícia aos seus leitores!

Um grande abraço!