segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Stanley Kubrick


Para os amantes de cinema, existem os realizadores preferidos de cada um. Pessoalmente, considero que os realizadores que mais amo são aqueles cujos filmes (re)descubro a cada nova visualização. São aqueles que conceberam filmes que se podem ver uma, duas, trinta, cem ou mais vezes sem alguma vez perdermos a vontade de sair da frente do ecran. São aquelas obras cinematográficas que instantaneamente e para todo o sempre nos acompanham pela vida. Que por vezes nos fazem realizar mentalmente cenas que nunca existiram. John Ford, um Sérgio Leone ou Howard Hawks são esses realizadores que me fazem apetecer, às vezes, reduzir o cinema à sua influência, passe o exagero de entusiasta do cinema.

Porém, há outros realizadores cuja obra admiramos mas que, ao princípio, achamos que não são "os nossos" realizadores. No entanto, numa segunda ou terceira visualização de um dos seus filmes, espantamo-nos pela nossa cegueira inicial. De repente começamos a rever a nossa concepção da sua obra. Um dos realizadores que recentemente me surpreendeu (e muito) numa segunda (ou terceira) vez que vi um dos seus filmes foi Stanley Kubrick. Sempre admirei o seu génio. No entanto, foi daqueles realizadores que nunca me entusiasmaram demasiado, excepção feita ao fabuloso Barry Lyndon (1975), filme brilhante e que, desde a primeira vez que o vi, me esmagou pela sua graça, pela inventividade técnica (a iluminação de interiores, só à luz das velas, é absolutamente extraordinária) e pelo argumento.

Recentemente, ao num destes dias estar a fazer zapping pela TV, parei na RTP1 que transmitia o A Clockwork Orange. Recordo-me da primeira vez que este filme tinha visto. Gostara. Mas ao mesmo tempo considerei-o demasiado kitsch. Quer na interpretação dos actores quer no argumento. Mas nesta segunda visualização... a minha ideia inicial caiu. A cada cena o meu espanto crescia. Surpreendia-me a montagem (bem pensado a forma nada convencional - em câmara acelerada - do ménage de Alex com as duas adolescentes). Fantástica a forma como a violência é doseada, como a nona de Beethoven nos transporta aos abismos das psicoses do personagem principal... Redescoberta surpreendente e agradável.

Nesse momento, percebi que tinha que rever minha posição sobre o cinema de Kubrick. E aos poucos me apercebi, num segundo contacto com os seus filmes, da sua grandeza. Percebi que a obra de Kubrick parte da sua tortura em busca da perfeição, em busca de um sentido estético absoluto para cada filme que concebe. Para ele, cada frame, cada som, cada gesto de um actor deve-se sincronizar em perfeição com um todo. Daí o seu modo torturado de filmar. Cada filme era uma prova de esforço tremendo: desde a concepção do argumento até à montagem, passando pelos longos meses de filmagens. Por exemplo, durante as filmagens de The Shinning (1980), Kubrick repetiu certas cenas até à exaustão. Conta-se que repetiu um take cento e vinte e sete vezes durante vários seguidos. Por causa do seu perfeccionismo, Jack Nicholson ia mesmo"enlouquecendo". Também para captar certos efeitos de luz, Kubrick "reinventava" modos de filmar. Para captar a já citada luz das velas em Barry Lyndon, o realizador usou as câmaras de filmar que a NASA utilizara para as missões à Lua.

Mas o mais fascinante em Kubrick é a sua versatilidade. Cada filme aborda um estilo, um género cinematográfico. Dr. Strangelove é uma comédia negra sobre a Guerra Fria. 2001 um filme de ficção científica que, por excelência, é também um filme filosófico, mesmo metafísico. The Shinning um filme de terror. E todos as suas outras obras podem ser rotuladas com um género diferente. Ao contrário de outros realizadores, Kubrick sempre pretendeu que cada filme entrasse para a história do cinema como único. Como uma experiência ímpar. Assim, podemos falar de um estilo Kubrick não devido a um leit-motif que percorre a obra da maior parte dos grandes realizadores, mas sim por uma forma inovadora de olhar para o cinema. De abarcar, numa vida inteira, toda uma quantidade de géneros, toda uma busca de novas experiências formais.

Essa a grandeza de Kubrick e de todo o seu cinema. Brevemente passaremos a escrever sobre os seus filmes, há medida que formos de novo redescobrindo a obra deste autor, agora um dos meus muito amados realizadores.

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